domingo, 21 de outubro de 2012

Primeiro canto do poema MINHA BAHIA, de Patrice de Moraes.


       MINHA BAHIA


Triste do brasileiro que não carrega em si
                                                                                        algumas coisas de baiano.

                                                                                                                          GILBERTO FREIRE





I



Bahia: meu chamego, minha preta,
meu dengo, minha nega — meu amor.
Sou filho teu legítimo, com a cor
da alma brasileira mais porreta.

Cresci admirando esse teu jeito
peculiar de ser, os teus encantos
que encantam a nobreza e os outros tantos
espíritos cultores do conceito

fragrante de beleza. Assim tornei-me
incondicionalmente amante teu,
fiel a ti e a quem te concebeu
altar dos mais sagrados (batizei-me

aí, com as águas puras da alegria,
que purgam-me da dor, do sofrimento,
mesmo estes a insistir renascimento,
sob bênção da divina eucaristia),

onde oração à vida e ao que ela tem
de essencial revelam a ambição
de um povo que desdobra o coração
na fé num orixá..., num santo... — amém.

(Taí uma das coisas que fascinam
não só baianos como não-baianos:
ter a Bahia tantos meridianos
à religião voltados. Sendo assim não

opõe-se a humanas manifestações
constantes de caráter religioso.
Pelo contrário, é sempre auspicioso
seu jeito de acolher variações...)

O sacro sempre foi característica
quotidiana da baianidade
tomada na raiz. Cada entidade
seguida é em toda sua mística,

em todo seu fascínio de poder
aproximar o baiano do Divino,
qualquer que seja a fonte do seu hino
de fé. Então não tem o que temer.

No sertanejo, então, essa atitude
atinge as raias do incompreensível:
tem ele na barriga o subnível
da fome, acompanhado pelo açude

da sede, e ambos à seca devolvidos;
e ainda assim com humilde paciência
agarra-se à sua fé com a veemência
de quem não sofre as dores dos sofridos...

É com essa fortaleza espiritual
que muitos dos baianos se revestem
para afastar os males que anoitecem
sobre eles. É uma conduta natural

herdada do painho, da mainha,
que por sua vez tiveram sua herança
no sofrimento, na nordestinança
vivida por vô inho,  por vó inha.

É o ciclo vivo da religião,
seu pragmatismo na alma do baiano
que sabe desde cedo o quotidiano
que acompanhá-lo-á de pão a pão:

sofrer..., mas ser da fé um puritano.



Nenhum comentário:

Postar um comentário